DISPONIBILIZO uma parte do capítulo DEZ para vocês... Abraços!
(...) Dois meses depois de nossa chegada,
enquanto Mário foi visitar Antônio Antunes eu sentei ao lado de mamãe num
banquinho de madeira lá no quintal, sob a sombra de uma jovem mangueira e
começamos a conversar. As crianças estavam dormindo nas esteiras enquanto o sol
se punha. A leve brisa nos refrescava e os pássaros cantavam lindamente.
Eu
olhei e percebi que em volta da casa, os
doze jovens pés de mangas já estavam quase do tamanho da nossa casa... “A
jaqueira também está bem crescida né mamãe?...” Ela acompanhou meu olhar e
respondeu “É minha filha... Nós não podemos ver o milagre que faz esta planta
crescer, mas acreditamos que existe um milagre quando vemos o fruto que ela
começa a dar... Levantamos o olhar para o alto, admiramos o tamanho da sombra e
aí sim começamos a crer no milagre.” Minhas lágrimas começaram a descer e mamãe
continuou “Noêmia, assim também são os planos de Deus, não vemos nada agora,
nem entendemos seu agir! Só o tempo vai mostrar para você os frutos da sua
volta para o Rio de Janeiro, e o tamanho da grande obra que o Senhor vai
fazer... Bendito é o seu marido que ouviu a voz de Deus e não duvidou... Tenha
paciência para perseverar em oração pelo teu futuro... Nosso Deus está muito
feliz filha, alegra o teu coração!” Abracei minha mãezinha e comecei a me
sentir melhor, o peso no coração se foi e as dúvidas se dissipavam... Olhei
para os meus filhos e de repente senti o bebê se mexendo, naquele momento, eu
tive certeza que minha família estava segura e que cada um de meus filhos
estava nas mãos de Deus. Naquele dia eles
dormiam em esteiras, mas certamente eles dormiriam confortavelmente como príncipes e seriam mais que vitoriosos, assim como eu e meu esposo. Assim, alegrei-me
na minha esperança...
Quando
nossos amigos souberam de nossa volta ao Corcundinha, não entenderam muito bem
aquela escolha, mas nos ajudaram doando-nos
um velho um fogão à lenha e o restante da pequena mobília fomos
comprando com as reservas de Mário, uma velha cama de casal e tijolos para
escorá-la, um finíssimo colchão usado, uma mesa, três cadeiras e um pequeno
armário de cozinha. Preciso confessar que infelizmente precisei me adaptar
novamente àquela rotina sofrida. E tudo o que passei, só passei por que Deus
passou junto comigo. Mário desempregado agora, levantava quatro da manhã para
procurar trabalho. Logo em seguida, às cinco horas eu saía de casa para buscar
água no poço. Feito isto, eu reunia meus filhos para catarmos lenha no mato. Às
vezes aquelas lembranças estão muito claras na minha mente. Vejo Misael e
Moisés carregando lenha comigo, enquanto Raquel com seis anos, vinha logo atrás
de mãos dadas com Mattos. Que vida dura a que tivemos. Não era nada fácil.
Nossa luz vinha de duas lamparinas e não havia água encanada. Era preciso
acordar às quatro da manhã para encher nossas latas na única “bica comunitária”
perto dali. Era o momento de conhecer e rever outras pessoas tão pobres quanto
eu, que vinham de muito longe buscar água. Outra opção era ir até o poço que
ficava há uns dois quilômetros de casa do outro lado da Rio-São Paulo. Como Raquel tinha muito medo de sapo, e
sapo era o que não faltava por lá, eu escolhia a bica para buscar água. Nosso
chão era de taco. Muitos estavam soltos, outros apodrecidos, e sob as esteiras
machucavam muito as crianças. A cozinha era de um vermelhão tão ruim, que ao
passarmos pano molhado ele mesmo ficava da cor do chão! Do lado de fora de
nossa casa, havia um pequeno quartinho onde fazíamos nossa higiene pessoal. A
porta era um pano velho. Lá dentro, nós jogávamos água no corpo para tomarmos
banho e as nossas necessidades fisiológicas eram feitas numa comadre ou sobre
jornais, os quais enterrávamos depois. Mas quem não se agüentava, corria para o
mato mesmo. Quando caía a noite, a lamparina era levada para o banheiro e,
volta e meia, alguém saía de lá correndo pois havia uma cobra enrolada no canto
do “quartinho-banheiro”. Já encontramos cobra jararaca, cobra coral, cobra que
nem conhecíamos e até uma cascavel já apareceu pelo nosso quintal! Hoje, com
dois banheiros lindos em minha casa, eu nem acredito que vivi durante 32 anos
assim! Parece inacreditável, mas meu primeiro banheiro foi construído em 1978,
o que deixo para contar mais tarde...